Sexta-feira, enquanto eu olho pela janela de um ônibus os estragos causados pela chuva, um senhor entra pela porta dianteira. Ele tem aparentemente uns 60 anos, negro, alguns cabelos brancos, roupas simples, um chapeuzinho preto na cabeça e um acordeom já bastante usado.
Meio-dia, um dia normal depois da chuva e um senhor mais normal ainda. Nada de estranho.
Seria uma volta normal para casa se esse senhor não sentasse exatamente ao meu lado, dentre tantos outros lugares vazios. E mais: começasse a cantar e a tocar o seu pequeno acordeom. A música? Não me recordo, mas lembro que não podia ser mais original; palavras simples que falavam da saudade do sertão.
As poucas pessoas do ônibus pareciam que não estavam ouvindo a música. E eu continuei olhando pela janela.
Ao final da música, ele tira o seu chapeuzinho e começa a recolher contribuições das pessoas. Minha opinião, certamente, estava errada; foi o maior número de contribuições que eu já tinha visto dentro de um ônibus. Quase todas as pessoas contribuíram de forma significativa.
Sem dúvida, elas também conseguiram naqueles poucos minutos de música esquecer o mundo que corria lá fora.
Para finalizar, na volta, quando ele passa ao meu lado, só então percebo: ele é cego!