domingo, 22 de fevereiro de 2009

O Carnaval como um vírus

Para Vygotsky, psicólogo russo, o meio influencia o homem. Se tratando do Carnaval, é impossível não enxergar o quanto esta festa é contagiante. Uso o termo contagiante no sentido literal da palavra: pegar por contágio. E como são muitas as pessoas que são “contagiadas” por sensações e opiniões diversas nesta época no ano, me restrinjo a apenas três grupos que se manifestam na capital baiana.
Outro dia, ouvi no ônibus as seguintes palavras de uma senhora quase idosa: “Tomara que chova nesse Carnaval”. Com esta frase, ela se encaixa no grupo dos Aborrecidos composto pelos fanáticos religiosos, os traumatizados e os eternamente estressados. Cada um com os próprios motivos, além de não gostarem de Carnaval, eles torcem para que algo ruim aconteça e estrague a alegria dos foliões; como se uma chuva, por exemplo, fosse mesmo capaz de tal façanha.
Os Guerrilheiros fazem parte do segundo grupo. Não é difícil identifica-los, eles enchem os supermercados na véspera da festa e saem carregando água e mantimentos. São sacolas e mais sacolas fartas preparadas para enfrentar a guerra. Guerrilheiros também são os lojistas, visto que são experts em armar trincheiras de madeira; tudo para proteger seus bens.
Por último, lhes apresento os Indecisos. Mesmo não gostando de Axé e convictos desde o ano anterior de que esses seriam dias de descanso, não suportam a pressão da televisão e do clima e caem no ritmo. Mas não há o que temer, afinal não existe no lado oeste de Greenwich vírus mais contagiante que o Carnaval – leia-se contagiante, pois o contagioso já é outra história...

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Do Alto Bonito à Pedreira*


São tantos os lugares perdidos nesse país a que chamam de Brasil. É só pisar por aí, seguir caminhos não tão distantes para que diversos brasis dentro de uma nação sejam revelados.
Traçando o asfalto ressequido com suas crateras expostas e pedregulhos a rolar, porventura fui ao encontro do Alto Bonito. Certamente, o nome dado ao bairro, que afronto numa placa torcida condensada em azul, remete a tempos passados. Aquele deveria ser, decerto, um belo lugar.
Andando mais além, chega-se à Pedreira, grande monte donde avista-se a pequena planície da Lagoa do Arroz. Essa é uma região que sempre me instigou. Quando eu e minha família voltávamos da roça do meu pai, meu princípio de súplica voltava-se para ali. Pedia que fôssemos para casa por aquele caminho. E bastava virar a curva para o imenso despenhadeiro se apresentar a nós. Daqui a Pedreira, do outro lado o bairro do Arroz e entre os dois a Lagoa. Misto de medo e admiração que florescia em mim. Naquele lugar era tudo tão impreciso, como se de repente tiraram-lhe uma fatia de terra e na planície vazia juntaram-se as águas vindas do céu.
Imagino como seria a Maria Fumaça apitando rente ao monte e os passageiros a espreitar a paisagem pelas janelas dos vagões. Deveras, muitas lendas e histórias surgiriam naquelas épocas remotas. Quão majestosa vista!
A cidade foi crescendo e as primeiras casas foram sendo construídas, se estendendo aos outros bairros. Hoje, parece que o Alto Bonito e a Pedreira foram esquecidos pelos homens do poder. Das janelas dos poucos carros circulando por ali avista-se uma lagoa aterrada, esgoto correndo pelas ruas, crianças brincando descalças, carroças carregadas de areia, galinhas ciscando a terra, cachorros espantando as moscas e ao fundo uma música que fala de Deus; esperança, vinda de onde já nada se espera.
*(publicado no Jornal Vírus, Ano VII, Nº 34, Miguel Calmon - Ba, Janeiro/2009).