sexta-feira, 13 de junho de 2008

Por aí...

Sexta-feira, enquanto eu olho pela janela de um ônibus os estragos causados pela chuva, um senhor entra pela porta dianteira. Ele tem aparentemente uns 60 anos, negro, alguns cabelos brancos, roupas simples, um chapeuzinho preto na cabeça e um acordeom já bastante usado.
Meio-dia, um dia normal depois da chuva e um senhor mais normal ainda. Nada de estranho.
Seria uma volta normal para casa se esse senhor não sentasse exatamente ao meu lado, dentre tantos outros lugares vazios. E mais: começasse a cantar e a tocar o seu pequeno acordeom. A música? Não me recordo, mas lembro que não podia ser mais original; palavras simples que falavam da saudade do sertão.
As poucas pessoas do ônibus pareciam que não estavam ouvindo a música. E eu continuei olhando pela janela.



Ao final da música, ele tira o seu chapeuzinho e começa a recolher contribuições das pessoas. Minha opinião, certamente, estava errada; foi o maior número de contribuições que eu já tinha visto dentro de um ônibus. Quase todas as pessoas contribuíram de forma significativa.
Sem dúvida, elas também conseguiram naqueles poucos minutos de música esquecer o mundo que corria lá fora.
Para finalizar, na volta, quando ele passa ao meu lado, só então percebo: ele é cego!

segunda-feira, 9 de junho de 2008

A Capitalista Fábrica de Chocolate


O filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (com direção de Tim Burton), baseado no livro de Ronald Dahl, à primeira vista, apresenta-se como um filme infantil com ar de conto de fadas e que atrai pelas suas maravilhas visuais. Todos ficam fascinados pela fábrica de Willy Wonka (Johnny Depp), desejando ser uma das cinco crianças sortudas que encontram o bilhete dourado e que adquirem, assim, o direito de visitar suas grandiosas instalações. A lendária fábrica não era, aliás, visitada por ninguém há 15 anos. Charlie, Augustus, Mike, Veruca e Violet com os seus acompanhantes iniciam o tour pelo local e vão caindo uma por uma nas armadilhas das suas próprias personalidades, restando apenas Charlie no final.
Porém, a obra é uma ótima crítica ao capitalismo. Cada criança retrata um aspecto capitalista: Augustus e a alimentação ruim, Mike e os jogos eletrônicos, Veruca e o consumismo, Violet e o egoísmo. E Charlie é o bom garoto pobre, apegado aos valores da família; alguém que o capitalismo ainda não conseguiu transformar. “A Fantástica Fábrica de Chocolate” propõe, dessa forma, uma abordagem levemente crítica da alienação mercantilista da sociedade contemporânea.
No livro "O Manifesto do Partido Comunista", os autores Karl Marx e Engels abordam como o capitalismo criado pela burguesia transforma as relações entre as pessoas: “A burguesia despojou de sua auréola todas as atividades até então consideradas dignas de veneração e respeito. (...) rasgou o véu de comovente sentimentalismo o que envolvia as relações familiares e as reduziu a meras relações monetárias”. O filme consegue, através da figura do garoto Charlie, levar o telespectador e o próprio Willy Wonka a uma reflexão sobre essas conseqüências do capitalismo. No final, Willy Wonka retoma a relação com o pai que não via há alguns anos. Ou seja, a proposta é tentar reabilitar a família como a base para os valores morais positivos.
A modernização e a mão-de-obra são outros aspectos abordados. A fábrica possui máquinas que ainda não foram sequer inventadas, como o elevador que se desloca para qualquer direção. Em busca de mão-de-obra barata e depois que vários concorrentes roubaram suas receitas secretas, Willy Wonka “contrata” os Umpa-Lumpas e “treina” os esquilos. Os Umpa-Lumpas são pequenas criaturas de pele bronzeada, oriundas da Loompalância e que manejam as máquinas em troca de chocolate; não é mera coincidência que todos eles sejam interpretados pelo mesmo ator. Além disso, há a analogia que para o capitalismo na busca por baixos custos e mais produção vale tudo até mesmo escravizar animais.
São inúmeras as reflexões que o filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate” pode proporcionar, mas a crítica ao capitalismo supera qualquer expectativa e o que seria apenas um filme infantil, torna-se um verdadeiro retrato do mundo moderno
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