sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Eu, monstrinho

Há histórias, verídicas claro, que tenciono adorná-las com palavras escritas, porém passado o frescor momentâneo, a memória não é capaz de reavivá-las. Disposta tal condição, apresso-me a delatar o que me veio a acontecer por esses dias.
Foi um daqueles instantes a que chamam de lapso e que depois de ocorrido, a mente nos presenteia com mil e uma possibilidades, pensamentos. Primeiramente, me anteponho a esclarecer que não sou de dramas, mas se tratando de semelhante experiência é necessário um mínimo rabisco.
Dizem as línguas interioranas que o dia 8 de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição, antecipa a previsão do tempo para o Natal. Se neste dia chover, no Natal o céu estará limpo e vice-versa. Sendo assim, espero uma feliz festa natalina, pois foi o dia 8 que comportou o meu lapso.
Naquele meio-dia, eu não sonhava com os estragos que uma frigideira pode comportar nem tampouco recordava a desavença da água com a gordura. Não sou leiga se tratando de tal rixa, prefiro concordar que houve um breve descuido de minha parte. Ao ver aquela pobre frigideira e suas crias sendo queimadas não hesitei em ir socorrê-las. Desliguei a boca do fogão. Traiçoeiro fogo, verdadeiras labaredas surgiram diante dos meus olhos. O que fazer? Ali eu estava entre o fogão e o fogo tendo a pia do outro lado.
Foi receio, medo. O medo de ver as chamas se espalharem pelas outras panelas, atingir os panos e se tornar um incêndio que me fez arremessar a frigideira até a pia e ademais: abrir a torneira. Fraco pensamento dentro de um instante, impossível saber quanto tempo transcorreu naquele momento.
Já passados alguns dias, sinto em minha pele como se os pingos de gordura ainda estivessem quentes. Decerto que quando isto aconteceu não senti nada, nada mesmo, nem ardência nem dor. Eram os móveis da cozinha que me preocupavam. O armário fora atingido e todo o ambiente se envolveu de fumaça. Apenas as vozes confusas dos meus pais, que surgiram assustados, me fizeram pensar em mim mesma. Minutos depois, afrontei o espelho e vi um rosto, um braço e um pescoço condensados em vermelho. Noutro dia, acordei monstrinho pintado com bolhinhas vermelhas. Mas graças ao poder divino, não foi grave, somente a pele foi atingida, as bolhas não ardem e logo vão cicatrizar. Amanhã deixarei de ser monstrinho enquanto a vida continua frágil.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Sob o véu da Intolerância

No Brasil, é costume dizer que futebol, religião e política não se discutem, mas frequentemente estes temas norteiam alguns debates na sociedade. Dentre eles, a religião é o que a neutralidade prevalece em maior escala. As pessoas possuem sua religião ou opiniões acerca desse assunto, porém se recusam ao diálogo sobre o tema.
Justamente a falta de diálogo alimentada pelo etnocentrismo vem construindo atitudes de intolerância religiosa no decorrer da história da humanidade. (...) Tratando-se do Cristianismo e do Judaísmo, estas religiões desencadearam momentos de ódio irracional e intolerância.
Após quase 2 mil anos de conflitos, a reaproximação de judeus e cristãos somente foi iniciada com o Concílio Vaticano II(...). Este Concílio estabeleceu-se como ponto inicial de uma nova fase de diálogo e relações entre a Igreja Católica e a comunidade Religiosa Judaica. Mesmo referindo-se especifiamente ao Judaísmo, o Concílio expressou um ponto fundamental para o respeito às diversas manifestações religiosas; em vez de ressaltar as diferenças entre o Cristianismo e o Judaísmo, ele recordou o vínculo espiritual entre elas e que está espiritualmente ligado à descendência de Abraão.
O Concílio Vaticano II foi um marco e sendo a religião o universo mais prural da condição humana, é essencial a pesquisa na área das crenças religiosas. Em meio a diversidade, certamente, há associações que levam não apenas às diferenças entre elas, como também às semelhaças. Semelhanças que geralmente ficam ofuscadas por uma camada de intolerância. No caso do Judaísmo e do Cristianismo, elas tiveram a mesma origem, mas em algum momento da história se separaram e ainda assim, acreditam no mesmo Deus ou D-us, baseiam-se no mesmo livro – a Bíblia (que os judeus chamam de "Tenak" e os cristãos de "Antigo Testamento"), entre outros aspectos.
Na verdade, as diferenças religiosas em si não provocam conflitos. São as interpretações e as significações a que as diferenças são submetidas que geram atos de intolerância religiosa. Religiões, que talvez não possuam mesma origem podem mostrar-se semelhantes em valores e crenças, mudando-se apenas as formas de manifestação. Para tanto, é necessário pesquisar, conhecer e respeitar.
Que Deus, Alah, Jeová, Xangô, Maomé, Buda, Krishna ou Tupã abençoe.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Um pouco de saudosismo

Hoje Salvador me fez lembrar minha cidade: Miguel Calmon. Choveu pela manhã e eu me banhei na chuva como há muito tempo não fazia. Foi sem querer, decerto, mas uma voz interior me fez deixar molhar o corpo livremente, sem pudor.
Agora, a tarde vem chegando e no céu nuvens pesadas se preparam, a qualquer hora vão se desfazer em milhões de gotas.
Esses dias, percebi que nessa época do ano, algumas árvores exalam um cheiro forte. É o cheiro do meu Natal. Todos os anos eu o senti sem nem mesmo notá-lo. Lá ele estava, e dessa vez as árvores resolveram me presentear. Deram-me com o cheiro a sensação de paz.
Ano acabando, chuvas de verão, férias apontando, família, Natal, Paz, Amor. Calmon, Miguel Calmon.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Breve fuga

Há uma gota de mim
em cada palavra
mal proferida.
Desejos ocultos
que me vem
e me trazem
a dor
de serem revelados.
Onde estará
essa sede
ou medo?
Em torno de mim
escondo
a parte que
não me cabe.
E a ausência
do que não
se chorou,
à meia-luz
se traduz.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Os Zumbis do sistema

Hoje eu acordei com uma imensa saudade. O rádio toca, são músicas marcantes que me fazem lembrar pessoas. E lá fora, a chuva me impede de sair. Sensação de dor que nenhum tipo de remédio pode curar, só o passar do tempo.
Há um período da vida em que ficamos cegos. Vamos como zumbis em direção ao sistema. Todos querem fazer, ser, viver o mesmo, o mesmo que aqueles ali da frente. Talvez seja falta de maturidade. Ah, e ainda há outros zumbis sem saber que os são. Mas ninguém é culpado, eu também caí nessa. E não me arrependo, seria muita ingratidão da minha parte. Esperei tanto, mas a sensação de vazio às vezes me arrebata, como agora. Poderia ter feito mais, ou melhor, ter feito menos e aproveitado mais. Não é clichê, é a pura verdade.
Porém, é chegada a hora, preciso de argumentação para dar consistência ao meu dizer. Deparo-me com essa imposição mesmo preferindo as entrelinhas. Sendo assim, desvelo o motivo da minha inquietação.
Querido leitor, estamos sempre seguindo um sistema. Como diriam os funcionalistas, todo sistema é formado por partes interligadas que desempenham sua função e blá, blá, blá. Logo cedo, quando mal aprendemos a falar, nos jogam na escola. Pronto, já fomos coagidos e permaneceremos assim por longos anos de nossa vida. É o sistema educacional, metódico, teórico, injusto e cruel. Ensinam-nos fórmulas, regras, mas nos desencorajam e ofuscam nossa liberdade. E o ápice da crueldade é atingido às vésperas do Vestibular. Se não bastar, assistimos depois os ricos invadirem as faculdades públicas. Nesse momento, os pobres estudantes já viraram zumbis.
Apenas quando tudo passa, olhamos para trás e surge esse vazio. Os amigos tomaram outro rumo, a chuva passou, o sol apareceu e é minha hora de partir.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Sangue Frio

Ultimamente, eu vinha reclamando muito do meu curso. Jornalismo é imprevisível, cansativo, não tem rotina, me transpõe para lugares diversos e me faz passar por tantas situações malucas. Esse começo de semestre foi difícil. Faltou grana, eu mal conseguia parar em casa, enfim, quase não me diverti nem cumpri todos os meus horários. Cheguei a pensar em fazer algo mais estável, por que não algum curso da área de saúde?
Mas, sinceramente, hoje mesmo esqueci de vez essa idéia. É preciso pensar muito antes de sonhar em ser médico, enfermeiro ou seguir outra profissão que precise lidar com a vida das pessoas. Tudo bem que pensei em cursar fisioterapia, porém, o risco ronda sempre esses profissionais da área de saúde.
Ás quatro da tarde, uma cena mexeu comigo. Entre o Porto e o Farol da Barra, haviam aproximadamente trinta pessoas reunidas, o trânsito parado e os policiais agitados tentando manter a ordem. Ao lado, jovens turistas loiras choravam. No centro dos olhares, um rapaz cobria, abraçando, a metade do corpo de uma garota que chorava alto. Vi apenas uma perna branca com a carne exposta e um osso partido. Gelei, senti meu chiclete branco ficar azul e certa acidez penetrar minha língua.
Mais alto que o choro da garota, sentado no chão e recostado na parede, um homem gritava: “Não deixem ela morrer! Não deixem ela morrer!”. Era o motorista, seu ônibus havia atropelado a garota e a ambulância demorava a chegar.
Minha caminhada perdeu a graça. Corri dali para não começar a chorar e em seguida não desmaiar. Pois assim, duas pessoas precisariam ser atendidas. É preciso ter sangue frio para ver tudo aquilo e não se abalar. As minhas pernas tremem até agora, nem sei como cheguei em casa.
Deixe-me cá com o tal do jornalismo.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Degustar Felicidade

Hoje é um dia especial. Sei que é pelo simples fato de ser um dia. "Vacas de divinas tetas...". Um dia tranqüilo que passa sem pressa. Você pode correr para o nada, comprar frutas e tomar banho frio que ao tocar o calor do corpo, a água fria fica na temperatura ideal.
Parece que não vai chover e o Sol é um presente de Deus. Hoje eu quero sair, comer salada, me sentir leve para voar por aí. Nenhum compromisso chato agendado, só a gravação de um filme que é parte do meu prazer. Ainda dá tempo para chegar lá.
Meu Deus, hoje é sexta-feira. A casa limpa e o som perfeito. Dá vontade de dançar, abrir os braços, sentir o vento, respirar fundo, saciar a sede, aspirar o perfume das flores, vestir uma saia jeans e sorrir. Andar pulando como uma criança.
Felicidade não se explica, apenas nasce cá dentro de nós.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Carta de repentina dor

Queridos tropicalistas e amigos bossa nova. Escrevo numa quente manhã de 2008. Talvez sejam as flores escondidas que irão desabrochar, talvez seja esse meu tédio que bate aos domingos ou talvez seja apenas o despontar de agosto. A falta de vinho mexe comigo também. A vida por aqui não vai tão bem assim. E o sonho da liberdade passa como nuvens bem altas em direção ao mar. Longe de nós.
Nem todos os problemas foram solucionados. Ainda enviamos cartas, mas por e-mail. Ainda assistimos ao Fantástico, mas pela tela da TV Digital. As mulheres não precisam queimar sutiãs para serem ouvidas. E, certamente, vocês imaginam que hoje nada mais escandaliza. Afinal, novos tempos. O futuro que vocês sonharam está no prazo.
Decerto que superamos a fase Saint-Tropez, passamos pela fase hippie, aceitamos o topless, as mulheres fugiram pela janela da cozinha e não querem nem pensar em filhos, querem ter dinheiro, querem o peito duro de silicone. Vencemos uma ditadura militar, os gays abriram as portas do armário e se beijam pelas ruas.
Porém, todos os dias assassinamos milhares de vidas através do aborto, adubamos a natureza com toneladas de lixo, pessoas continuam morrendo de Aids e os homens ganham mais pelo dia no escritório, as mulheres nem tanto. Isso escandaliza. E esse querer mais e esse tédio que me embriaga sem ter vinho, vai me deixando tonta. Ano 2008, será que ainda é 2008?

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Mova-se

Naqueles dias de tédio. Tire a bicicleta das férias prolongadas ou leve o cachorro para passear. Exercite-se. Mova-se. Faz um bem danado.
Quem me fez acreditar ainda mais nisso foi um senhor que hoje pela manhã andava de skate nos Barris. Com os pés descalços, era do tipo que passava a maior parte da vida trancado em um escritório e que no final do dia só tem vontade de pisar na grama. Bem sucedido, família estruturada e em plena meia-idade.
Mas alí, não havia ternos nem gravatas. Sozinho e debaixo de uma chuva fraca, ele calmamente ensaiava alguns movimentos como se tentasse relembrar tempos áureos. Nunca é tarde. Passei e ele continuou por lá, tentando.
Hoje, o dia dele com certeza foi melhor. Acredite.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Medo

A vida é tão frágil que dá medo. Saber que em um segundo tudo pode mudar. Uma queda, um assalto, um tiro, um ataque fulminante. Como se o sumo da vitalidade escorresse em fios lentos e o sonho da eternidade se estilhaçasse no ar.
O homem, em geral, se adapta rapidamente às mudanças. Mas há situações em que o ser humano jamais vai se adaptar. Medo. Os jornais, a televisão, o rádio e a internet todos os dias nos fazem lembrar que amanhã poderemos ser mais um número nas estatísticas negativas.
Medo que nos circunda, como se livrar dele se a realidade não nos deixa esquecê-lo?
E há tanta coisa boa lá fora, tanto para experimentar, descobrir, viver... Melhor mesmo acreditar que não existe limite, que a vida é uma dádiva e que a realidade é melhor do que aparenta ser.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Segunda-feira

Todas as pessoas
aparentam
sentir o mesmo:
rostos pesados,
apáticos,
olhando para o infinito,
olhando para o nada.
A manhã vai caminhando
devagar.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Educação não é Gentileza

Salvador é multicultural. Cosmopolita. Gosto de viajar pela cidade descobrindo suas facetas, sua gente e sua história. Sem dúvidas, é uma experiência surpreendente observar o cenário soteropolitano pelas janelas da vida. Mas Salvador também é como qualquer outra cidade. Aquele ar de capitalismo, a desigualdade pichada nos muros, a correria e um certo tom de que nada vai mudar estampado nos rostos das pessoas.
Ora, bom mesmo é vivenciar nisso tudo gestos que nos arrancam um sorriso verdadeiro. Como o daquele senhor ajudando a senhora cega a atravessar a rua do Politeama de Baixo. Ou o mendigo da Ladeira da Montanha que compartilha sua comida escassa com uma dezena de pombos. Ou o que ocorre perto dali, na Carlos Gomes: um rapaz bem vestido que dá um copo e um prato a um doente abandonado no chão. Ou simplesmente, ouvir o bom dia do porteiro do prédio todas as manhãs.
São atos assim que podem ser chamados de Gentileza, pois são feitos de forma sincera. Essas pessoas são anônimas, rostos iguais aos outros que fazem o bem sem receber nada em troca, que respondem apenas pela própria consciência. Geralmente, as outras pessoas agem de forma educada para atender o padrão de comportamento adotado pela sociedade.
Educação não é Gentileza. Ser gentil é ser um doador constante, doador de esperança, de cuidado e de vida.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Papéis

Uma menina passou por aqui e deixou cair um papel amarelo escrito a lápis, mais na frente, outro pequeno papel branco escorrega da sua pasta e ela nada percebe. Penso em recolhê-los, mas a garota já vai virando a esquina e solas sujas de sapatos continuam a dançar para a esquerda e a direita, parece não ter fim. Logo, logo os papéis se perdem e tomam outro rumo para além da minha vista.
Será que aqueles papéis representavam algo? Seria uma informação importante? Poderiam ser números de telefones especiais, mensagens, lembretes de tarefas, trechos de um livro ou apenas palavras banais.
Deveria ser algo importante para a menina, sim. O que não tem valor é que é jogado fora. Um simples papel pode ser tão útil quanto qualquer outro objeto. Já pensou se alí estivessem os números do vencedor da loteria?
Mas agora não dá pra saber, os papéis devem estar longe, imundos e rasgados.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Por aí...

Sexta-feira, enquanto eu olho pela janela de um ônibus os estragos causados pela chuva, um senhor entra pela porta dianteira. Ele tem aparentemente uns 60 anos, negro, alguns cabelos brancos, roupas simples, um chapeuzinho preto na cabeça e um acordeom já bastante usado.
Meio-dia, um dia normal depois da chuva e um senhor mais normal ainda. Nada de estranho.
Seria uma volta normal para casa se esse senhor não sentasse exatamente ao meu lado, dentre tantos outros lugares vazios. E mais: começasse a cantar e a tocar o seu pequeno acordeom. A música? Não me recordo, mas lembro que não podia ser mais original; palavras simples que falavam da saudade do sertão.
As poucas pessoas do ônibus pareciam que não estavam ouvindo a música. E eu continuei olhando pela janela.



Ao final da música, ele tira o seu chapeuzinho e começa a recolher contribuições das pessoas. Minha opinião, certamente, estava errada; foi o maior número de contribuições que eu já tinha visto dentro de um ônibus. Quase todas as pessoas contribuíram de forma significativa.
Sem dúvida, elas também conseguiram naqueles poucos minutos de música esquecer o mundo que corria lá fora.
Para finalizar, na volta, quando ele passa ao meu lado, só então percebo: ele é cego!

segunda-feira, 9 de junho de 2008

A Capitalista Fábrica de Chocolate


O filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (com direção de Tim Burton), baseado no livro de Ronald Dahl, à primeira vista, apresenta-se como um filme infantil com ar de conto de fadas e que atrai pelas suas maravilhas visuais. Todos ficam fascinados pela fábrica de Willy Wonka (Johnny Depp), desejando ser uma das cinco crianças sortudas que encontram o bilhete dourado e que adquirem, assim, o direito de visitar suas grandiosas instalações. A lendária fábrica não era, aliás, visitada por ninguém há 15 anos. Charlie, Augustus, Mike, Veruca e Violet com os seus acompanhantes iniciam o tour pelo local e vão caindo uma por uma nas armadilhas das suas próprias personalidades, restando apenas Charlie no final.
Porém, a obra é uma ótima crítica ao capitalismo. Cada criança retrata um aspecto capitalista: Augustus e a alimentação ruim, Mike e os jogos eletrônicos, Veruca e o consumismo, Violet e o egoísmo. E Charlie é o bom garoto pobre, apegado aos valores da família; alguém que o capitalismo ainda não conseguiu transformar. “A Fantástica Fábrica de Chocolate” propõe, dessa forma, uma abordagem levemente crítica da alienação mercantilista da sociedade contemporânea.
No livro "O Manifesto do Partido Comunista", os autores Karl Marx e Engels abordam como o capitalismo criado pela burguesia transforma as relações entre as pessoas: “A burguesia despojou de sua auréola todas as atividades até então consideradas dignas de veneração e respeito. (...) rasgou o véu de comovente sentimentalismo o que envolvia as relações familiares e as reduziu a meras relações monetárias”. O filme consegue, através da figura do garoto Charlie, levar o telespectador e o próprio Willy Wonka a uma reflexão sobre essas conseqüências do capitalismo. No final, Willy Wonka retoma a relação com o pai que não via há alguns anos. Ou seja, a proposta é tentar reabilitar a família como a base para os valores morais positivos.
A modernização e a mão-de-obra são outros aspectos abordados. A fábrica possui máquinas que ainda não foram sequer inventadas, como o elevador que se desloca para qualquer direção. Em busca de mão-de-obra barata e depois que vários concorrentes roubaram suas receitas secretas, Willy Wonka “contrata” os Umpa-Lumpas e “treina” os esquilos. Os Umpa-Lumpas são pequenas criaturas de pele bronzeada, oriundas da Loompalância e que manejam as máquinas em troca de chocolate; não é mera coincidência que todos eles sejam interpretados pelo mesmo ator. Além disso, há a analogia que para o capitalismo na busca por baixos custos e mais produção vale tudo até mesmo escravizar animais.
São inúmeras as reflexões que o filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate” pode proporcionar, mas a crítica ao capitalismo supera qualquer expectativa e o que seria apenas um filme infantil, torna-se um verdadeiro retrato do mundo moderno
.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Testemunhas

Duas e meia da madrugada. Um tiro. Acordo e procuro não pensar em nada. Fico imóvel, talvez seja apenas um pesadelo. As vozes vindas lá de baixo, porém, me revelam a realidade e espatam o meu sono: "Corre! Pega!".
É madrugada, todos dormem e eu aqui estou; testemunha de algo que ainda não sei. Não tenho vocação para jornalismo policial ou investigativo, mas nesse momento, é inevitável não querer saber o que se passa ao meu redor.
"É polícia, é polícia". _Meu Deus! - Penso logo em roubo. Estão procurando algum ladrão. Não sei porquê, mas me sinto tranquila, afinal daqui a pouco prendem o mafioso.
É, meia hora depois, eis que surge o meu pesadelo: uma sequência de tiros. Tiroteio. Dessa vez, impossível ninguém acordar. Novas testemunhas vão surgindo nas janelas dos prédios, assustadas e curiosas.
Na rua, policiais por todas as partes, nos quintais, no mato, subindo e descendo a ladeira... Armas enormes e um belo cenário de filme de ação. Até mesmo a polícia de apoio foi chamada.
E o ladrão, cadê?
De repente, outra sequência de tiros. Alguém tem coragem de ficar na janela? As testemunhas correm para os seus quartos, se atiram no chão...
Depois uns passos, uma ronda e o silêncio.
Quatro horas da madrugada, o show acaba e a platéia vai dormir sem entender o final do filme.
Só pela manhã, a televisão informa o que aconteceu:


Bandidos cercam delegacias para resgatar presos
08/05/2008 - 7h28m

*Do iBahia, com informações do Jornal da Manhã


A madrugada desta quinta-feira (8) foi de intranqüilidade para moradores dos Barris, bairro situado no centro de Salvador. O clima de tensão começou por volta das 2h30. Segundo os policiais, três carros lotados de bandidos cercaram os prédios das três delegacias que funcionam na área e tentaram uma invasão para o resgate de presos.



Os policiais de plantão reagiram, fechando as portas e atirando. No tiroteio com os bandidos que permaneceram do lado de fora, um policial levou um tiro de raspão. Um outro bandido foi morto e um preso que tentou fugir acabou recapturado. Enquanto isso, os presos que estão nas celas que ficam no porão do complexo iniciaram uma rebelião e começaram a tocar fogo nas celas.
A situação só foi normalizada quando chegou o reforço do Batalhão de Choque e do Corpo de Bombeiros que continuam no local. O clima ainda é tenso e os presos estão sendo fortemente vigiados. A polícia de choque deve entrar nas celas daqui a pouco para fazer uma revista.

Ninguém está livre de nada, de repente, tudo pode acontecer.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Quem é o seu herói?

Os heróis dos nossos pais eram os revolucionários, comunistas, pessoas de esquerda que queriam mudar o mundo: Che Guevara, Lamarca, Luis Carlos Prestes e tantos outros que pegavam em armas para lutar contra os regimes ditatoriais. Eles acreditavam em um mundo melhor, menos desigual e mais democrático.
As Diretas Já foram a mais recente manifestação a favor da democracia. Os Cara-pintadas saíram às ruas em busca do Brasil que lutavam há décadas; não aceitaram fechar os olhos para não ver a realidade. E quanto tempo isso faz? Anos? Décadas? Faz quase vinte anos que o Brasil continua do mesmo jeito.
Como diria Cazuza, “Meus heróis morreram de overdose. Meus inimigos estão no poder”. Esses são os novos revolucionários. Nós conseguimos manter o sonho dos nossos pais. Estamos mudando o mundo em frente ao computador, votando no político menos pior, nos aprisionando nos grandes prédios, bebendo Whisky enquanto nosso vizinho morre de sede e fumando um baseado enquanto o Planeta explode. Nosso mestre é o dinheiro que pode nos dar tudo.
É, talvez a música cantada por Elis Regina hoje já não faça mais sentido. Nos esquecemos até mesmo que temos pais e vivemos como o Tio Sam sonhou. Heróis, quem precisa deles? O mundo já
mudou.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Retrato do Mundo Moderno


O mundo passou nas últimas décadas por um desenvolvimento surpreendente em diversas áreas. A economia, a tecnologia e as ciências evoluem de modo a proporcionarem conforto e satisfação imediata para as pessoas. Porém, observa-se ultimamente o surgimento de várias crises, sejam estas, políticas, sociais ou religiosas.
A atualidade está diretamente relacionada ao projeto de mundo moderno consolidado com a Revolução Industrial. Esse ideário é normalmente associado ao desenvolvimento do capitalismo, que se caracteriza pelo consumo massivo de bens e serviços. Assim, a estrutura econômica atual se baseia no capital que, por sua vez, comanda o trabalho e onde as riquezas acumuladas têm valor superior ao homem.
Com o capitalismo, as relações humanas passaram a ser inseguras, ansiosas, frias e o homem tornou-se um ser inclinado a oprimir o semelhante em troca de benefício próprio. A política, por exemplo, mergulhou numa crise terrível; os escândalos constantes de corrupção levam as pessoas a perderem a confiança em seus candidatos. Até mesmo a família contemporânea e a religião entraram em crise com a perda de valores e princípios do mundo moderno.
Com certeza, o mundo contemporâneo vive em contínua evolução tecnológica e científica proporcionada pelo capitalismo. Mas as particularidades humanas se perdem nessa sociedade materialista pautada na velocidade, na satisfação imediata, no egoísmo e na riqueza. Desse modo, sem dúvida, as crises políticas, sociais e religiosas da atualidade somente serão superadas quando o homem deixar de ser uma fera egoísta e retomar o emaranhado que compõe a verdadeira cultura humana baseada em valores, significados e princípios individuais.

Pegadas

Uma angústia me sufoca,
chega a doer
numa tortura lenta.
Palavras que vêm,
confundem-se,
esbarram-se,
travam luta em mim.
Posso ouvir seus clamores,
sons desordenados
que tento decifrar.
Enxugo cada nota indócil
que ousa esquivar-se,
faço-a fluir aos poucos,
lentamente,
levemente embebida de sensações.
Queria ser exímio nisso.
Falta-me tanto.
Quem sabe um dia...
Talvez minha vida seja ser
Eira das palavras.
Efusão de sentimentos.
Pois por enquanto,
eis que estou
semeando sons
cá dentro de mim...