sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Breve fuga

Há uma gota de mim
em cada palavra
mal proferida.
Desejos ocultos
que me vem
e me trazem
a dor
de serem revelados.
Onde estará
essa sede
ou medo?
Em torno de mim
escondo
a parte que
não me cabe.
E a ausência
do que não
se chorou,
à meia-luz
se traduz.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Os Zumbis do sistema

Hoje eu acordei com uma imensa saudade. O rádio toca, são músicas marcantes que me fazem lembrar pessoas. E lá fora, a chuva me impede de sair. Sensação de dor que nenhum tipo de remédio pode curar, só o passar do tempo.
Há um período da vida em que ficamos cegos. Vamos como zumbis em direção ao sistema. Todos querem fazer, ser, viver o mesmo, o mesmo que aqueles ali da frente. Talvez seja falta de maturidade. Ah, e ainda há outros zumbis sem saber que os são. Mas ninguém é culpado, eu também caí nessa. E não me arrependo, seria muita ingratidão da minha parte. Esperei tanto, mas a sensação de vazio às vezes me arrebata, como agora. Poderia ter feito mais, ou melhor, ter feito menos e aproveitado mais. Não é clichê, é a pura verdade.
Porém, é chegada a hora, preciso de argumentação para dar consistência ao meu dizer. Deparo-me com essa imposição mesmo preferindo as entrelinhas. Sendo assim, desvelo o motivo da minha inquietação.
Querido leitor, estamos sempre seguindo um sistema. Como diriam os funcionalistas, todo sistema é formado por partes interligadas que desempenham sua função e blá, blá, blá. Logo cedo, quando mal aprendemos a falar, nos jogam na escola. Pronto, já fomos coagidos e permaneceremos assim por longos anos de nossa vida. É o sistema educacional, metódico, teórico, injusto e cruel. Ensinam-nos fórmulas, regras, mas nos desencorajam e ofuscam nossa liberdade. E o ápice da crueldade é atingido às vésperas do Vestibular. Se não bastar, assistimos depois os ricos invadirem as faculdades públicas. Nesse momento, os pobres estudantes já viraram zumbis.
Apenas quando tudo passa, olhamos para trás e surge esse vazio. Os amigos tomaram outro rumo, a chuva passou, o sol apareceu e é minha hora de partir.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Sangue Frio

Ultimamente, eu vinha reclamando muito do meu curso. Jornalismo é imprevisível, cansativo, não tem rotina, me transpõe para lugares diversos e me faz passar por tantas situações malucas. Esse começo de semestre foi difícil. Faltou grana, eu mal conseguia parar em casa, enfim, quase não me diverti nem cumpri todos os meus horários. Cheguei a pensar em fazer algo mais estável, por que não algum curso da área de saúde?
Mas, sinceramente, hoje mesmo esqueci de vez essa idéia. É preciso pensar muito antes de sonhar em ser médico, enfermeiro ou seguir outra profissão que precise lidar com a vida das pessoas. Tudo bem que pensei em cursar fisioterapia, porém, o risco ronda sempre esses profissionais da área de saúde.
Ás quatro da tarde, uma cena mexeu comigo. Entre o Porto e o Farol da Barra, haviam aproximadamente trinta pessoas reunidas, o trânsito parado e os policiais agitados tentando manter a ordem. Ao lado, jovens turistas loiras choravam. No centro dos olhares, um rapaz cobria, abraçando, a metade do corpo de uma garota que chorava alto. Vi apenas uma perna branca com a carne exposta e um osso partido. Gelei, senti meu chiclete branco ficar azul e certa acidez penetrar minha língua.
Mais alto que o choro da garota, sentado no chão e recostado na parede, um homem gritava: “Não deixem ela morrer! Não deixem ela morrer!”. Era o motorista, seu ônibus havia atropelado a garota e a ambulância demorava a chegar.
Minha caminhada perdeu a graça. Corri dali para não começar a chorar e em seguida não desmaiar. Pois assim, duas pessoas precisariam ser atendidas. É preciso ter sangue frio para ver tudo aquilo e não se abalar. As minhas pernas tremem até agora, nem sei como cheguei em casa.
Deixe-me cá com o tal do jornalismo.